Os vícios construtivos representam um tema de grande relevância no âmbito do direito civil e do consumidor, especialmente considerando o impacto que podem ter na vida dos adquirentes de imóveis. A compreensão adequada dos prazos aplicáveis para reclamação desses vícios é fundamental tanto para consumidores quanto para construtoras e incorporadoras.
Este estudo tem como objetivo analisar os vícios construtivos sob a perspectiva normativa e jurisprudencial, com ênfase nos prazos prescricionais aplicáveis segundo o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Será abordada a distinção entre os prazos estabelecidos no Código de Defesa do Consumidor (CDC), no Código Civil (CC) e o prazo prescricional de 10 anos reconhecido pelo STJ, bem como a diferenciação entre garantia e prescrição, relacionando obrigação e responsabilidade.
De acordo com as normas técnicas brasileiras, os vícios construtivos são anomalias que afetam o desempenho de produtos ou serviços, ou os tornam inadequados aos fins a que se destinam, causando transtornos ou prejuízos materiais ao consumidor.
A NBR 15575 (Norma de Desempenho) estabelece parâmetros técnicos para diversos elementos da construção e define requisitos mínimos de desempenho, durabilidade e manutenibilidade que as edificações habitacionais devem cumprir. Segundo esta norma, os vícios construtivos podem ser classificados como:
A NBR 17170:2022 (Garantias) estabelece diretrizes para a gestão de garantias na construção civil, definindo prazos recomendados para diferentes sistemas construtivos. Esta norma técnica reconhece diferentes tipos de vícios e estabelece prazos de garantia específicos para cada sistema construtivo, considerando sua natureza e complexidade.
Segundo as normas técnicas, os vícios construtivos podem ser classificados em:
O CDC estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, incluindo disposições específicas sobre vícios em produtos e serviços:
Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em: I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;
II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.
§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços. [...]
§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.
Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.
O Código Civil também traz disposições relevantes sobre vícios construtivos:
Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor.
Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
O Superior Tribunal de Justiça tem consolidado entendimento que diferencia claramente o prazo de garantia do prazo prescricional. Conforme destacado em diversos julgados:
“Outrossim, cabe frisar que o prazo quinquenal referido no art. 618 do CC/02 é de garantia, na medida em que visa a proteger o comitente contra riscos futuros e eventuais. Não se trata, pois, de prazo prescricional ou decadencial, haja vista que não deriva da necessidade de certeza nas relações jurídicas, nem do propósito de impor penalidade ao titular de um direito que se mostra negligente na defesa dele.”
“O PRAZO DE CINCO (5) ANOS DO ART. 1.245 DO CÓDIGO CIVIL, RELATIVO A RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR PELA SOLIDEZ E SEGURANÇA DA OBRA EFETUADA, É DE GARANTIA E NÃO DE PRESCRIÇÃO OU DECADÊNCIA.”
“O prazo de garantia pela segurança e solidez da obra, estabelecido no art. 618 do CC/2002, não se confunde com o prazo de prescrição para o exercício da pretensão indenizatória. O primeiro é de ordem material, estabelecendo um dever legal ao empreiteiro, enquanto o segundo é de ordem processual, estabelecendo o período em que a pretensão pode ser deduzida em juízo.”
O STJ pacificou o entendimento de que o prazo prescricional para ações indenizatórias decorrentes de vícios construtivos é de 10 anos, conforme o art. 205 do Código Civil:
“À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 (‘Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra’).”
“Quanto ao prazo prescricional, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, tratando-se de pretensão de reparação civil decorrente de possível vício construtivo, o prazo prescricional aplicável é o decenal, previsto no art. 205 do Código Civil.”
“Verificado o vício dentro do prazo de garantia quinquenal, o dono da obra dispõe do prazo prescricional decenal para ajuizar a ação de reparação de danos (art. 205 do CC/2002), a contar do surgimento do defeito.”
O STJ tem entendido que o prazo quinquenal previsto no art. 27 do CDC não se aplica às ações indenizatórias por vícios construtivos:
“Quando, porém, a pretensão do consumidor é de natureza indenizatória (isto é, de ser ressarcido pelo prejuízo decorrente dos vícios do imóvel) não há incidência de prazo decadencial. A ação, tipicamente condenatória, sujeita-se a prazo de prescrição.”
“À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02.”
O entendimento atual do STJ é resultado de uma evolução jurisprudencial que remonta à vigência do Código Civil de 1916:
“Essa questão, que suscitou bastante divergência na doutrina e nos Tribunais pátrios, foi pacificada por esta Corte ainda na vigência do CC/16 (art. 1.245), prevalecendo o entendimento de que, descoberto o vício no prazo quinquenal, poderia o dono da obra reclamá-lo no prazo prescricional de 20 (vinte) anos, contados do aparecimento. Essa orientação foi cristalizada na Súmula 194/STJ, segundo a qual ‘prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos da obra’.”
“Da análise dos precedentes que deram origem à Súmula 194/STJ e de outros que nela se apoiaram, verifica-se que a jurisprudência deste Sodalício entendia que o prazo quinquenal disposto no art. 1.245 do CC/16 (atual 618 do CC/02) não era o mesmo prazo a que se submetia o comitente para o ajuizamento de ação judicial. E, à míngua de previsão legal de prazo especial, deveria ser aplicado o prazo ordinário de prescrição das ações pessoais, contado a partir do evento danoso (aparecimento do vício).”
Um aspecto fundamental do entendimento do STJ sobre vícios construtivos refere-se à natureza da responsabilidade do construtor, que varia conforme o momento da constatação do vício:
Durante o prazo de garantia de 5 anos estabelecido no art. 618 do Código Civil, a responsabilidade do construtor é objetiva, ou seja, independe de comprovação de culpa. Neste período, basta a constatação do vício que comprometa a solidez e segurança da obra para que surja o dever de reparação.
Mesmo após o término do prazo de garantia de 5 anos, o construtor ainda pode ser responsabilizado pelos vícios construtivos, porém sob o regime de responsabilidade subjetiva, que exige a comprovação de culpa ou dolo. Nestes casos, o prazo prescricional de 10 anos previsto no art. 205 do Código Civil também se aplica, contado a partir da constatação do vício.
Esta distinção é fundamental para compreender que o fim do prazo de garantia não extingue a possibilidade de responsabilização do construtor, apenas altera a natureza dessa responsabilidade, que passa de objetiva para subjetiva.
A garantia representa um dever legal ou contratual do fornecedor de assegurar o funcionamento adequado do produto ou serviço durante determinado período. No caso específico da construção civil, o art. 618 do Código Civil estabelece uma garantia legal de cinco anos pela solidez e segurança da obra.
A garantia não se confunde com os prazos para exercício de direitos (decadenciais ou prescricionais). Ela representa o período durante o qual o construtor responde objetivamente pelos vícios que comprometam a solidez e segurança da edificação.
A prescrição, por sua vez, refere-se à perda do direito de ação por inércia do titular durante certo lapso de tempo. No caso dos vícios construtivos, o STJ consolidou o entendimento de que o prazo prescricional para ações indenizatórias é de 10 anos, conforme o art. 205 do Código Civil, contados a partir da constatação do vício, independentemente de quando ele foi descoberto.
A distinção entre garantia e prescrição está diretamente relacionada aos conceitos de obrigação e responsabilidade:
O prazo de garantia está relacionado à obrigação e determina a natureza da responsabilidade (objetiva ou subjetiva), enquanto o prazo prescricional está relacionado ao tempo disponível para exercer o direito de ação após a constatação do vício.
Importante destacar que o término do prazo de garantia não extingue a possibilidade de responsabilização do construtor, apenas altera a natureza dessa responsabilidade, que passa de objetiva para subjetiva, exigindo a comprovação de culpa ou dolo.
Um equívoco comum entre síndicos e administradores de condomínios é a interpretação de que, encerrado o prazo de garantia (geralmente de 5 anos), não haveria mais possibilidade de cobrar da construtora os vícios do empreendimento.
Esta interpretação é incorreta à luz da jurisprudência do STJ, que distingue claramente o prazo de garantia do prazo prescricional. O prazo de garantia de 5 anos estabelecido no art. 618 do Código Civil refere-se ao período durante o qual o construtor responde objetivamente pelos vícios que comprometam a solidez e segurança da edificação.
O entendimento correto, conforme pacificado pelo STJ, é que:
Portanto, mesmo após o término do prazo de garantia, o síndico ou proprietário ainda pode acionar judicialmente a construtora, desde que comprove a culpa desta e respeite o prazo prescricional decenal contado da descoberta do problema.
“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS E COMPENSAÇÃO DE DANOS MORAIS. PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. DEFEITOS APARENTES DA OBRA. PRETENSÃO DE REEXECUÇÃO DO CONTRATO E DE REDIBIÇÃO. PRAZO DECADENCIAL. APLICABILIDADE. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. SUJEIÇÃO À PRESCRIÇÃO. PRAZO DECENAL. ART. 205 DO CÓDIGO CIVIL.”
“À falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916 (‘Prescreve em vinte anos a ação para obter, do construtor, indenização por defeitos na obra’).”
“Outrossim, cabe frisar que o prazo quinquenal referido no art. 618 do CC/02 é de garantia, na medida em que visa a proteger o comitente contra riscos futuros e eventuais. Não se trata, pois, de prazo prescricional ou decadencial, haja vista que não deriva da necessidade de certeza nas relações jurídicas, nem do propósito de impor penalidade ao titular de um direito que se mostra negligente na defesa dele.”
"DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE DO CONSTRUTOR. INTELIGÊNCIA DO ART. 1.245 DO CÓDIGO CIVIL. PRAZOS DE GARANTIA E DE PRESCRIÇÃO. RECURSO DESPROVIDO.
APRESENTADOS AQUELES DEFEITOS NO REFERIDO PERÍODO, O CONSTRUTOR PODERÁ SER ACIONADO NO PRAZO PRESCRICIONAL DE VINTE (20) ANOS."
“Quanto ao prazo prescricional, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que, tratando-se de pretensão de reparação civil decorrente de possível vício construtivo, o prazo prescricional aplicável é o decenal, previsto no art. 205 do Código Civil.”
“Isso porque, à falta de prazo específico no CDC que regule a pretensão de indenização por inadimplemento contratual, deve incidir o prazo geral decenal previsto no art. 205 do CC/02, o qual corresponde ao prazo vintenário de que trata a Súmula 194/STJ, aprovada ainda na vigência do Código Civil de 1916.”
“O prazo de garantia pela segurança e solidez da obra, estabelecido no art. 618 do CC/2002, não se confunde com o prazo de prescrição para o exercício da pretensão indenizatória. O primeiro é de ordem material, estabelecendo um dever legal ao empreiteiro, enquanto o segundo é de ordem processual, estabelecendo o período em que a pretensão pode ser deduzida em juízo.”
“Verificado o vício dentro do prazo de garantia quinquenal, o dono da obra dispõe do prazo prescricional decenal para ajuizar a ação de reparação de danos (art. 205 do CC/2002), a contar do surgimento do defeito.”
A análise dos vícios construtivos, sob a perspectiva normativa e jurisprudencial, revela a complexidade do tema e a importância de compreender adequadamente os diferentes prazos aplicáveis e a natureza da responsabilidade em cada momento.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que o prazo prescricional para ações indenizatórias decorrentes de vícios construtivos é de 10 anos, conforme o art. 205 do Código Civil, contados a partir da constatação do vício, independentemente de quando ele foi descoberto em relação ao prazo de garantia.
A distinção entre o prazo de garantia e o prazo prescricional é fundamental para a correta compreensão dos direitos dos adquirentes de imóveis e das responsabilidades das construtoras e incorporadoras. O prazo de garantia de 5 anos estabelecido no art. 618 do Código Civil determina apenas a natureza da responsabilidade do construtor:
Em ambos os casos, o prazo prescricional de 10 anos para ajuizamento da ação indenizatória é contado a partir da constatação do vício.
A confusão entre garantia e prescrição, comum entre síndicos e administradores de condomínios, deve ser evitada, pois pode levar à perda de direitos legítimos dos condôminos. O término do prazo de garantia não extingue a possibilidade de responsabilização do construtor, apenas altera a natureza dessa responsabilidade, que passa de objetiva para subjetiva.
Por fim, é importante ressaltar que a jurisprudência do STJ tem sido consistente na aplicação do prazo prescricional decenal para ações indenizatórias decorrentes de vícios construtivos, proporcionando segurança jurídica e proteção adequada aos adquirentes de imóveis, mesmo após o término do prazo de garantia.
Bruno Cristian de Oliveira Rosa
Advogado no ramo imobiliário voltado à condomínio. Bacharel em Direito e Especializado em Direito Imobiliário e Processo Civil pela EBRADI. Experiência com assessoria de condomínios grandes, médios e pequenos. Assessoria e consultoria prestada há mais de 15 condomínios na Grande Florianópolis/SC. Sócio do escritório Becker, Rosa e Ferreira Advogados